.:A Preparação:.
Demorou, mas enfim aqui estou, com o segundo post do Vida Grega.
O tempo em silêncio deve-se a razões diversas. Primeiro, porque não tenho o computador à mão para escrever na hora que eu bem entender. Segudo, porque os computadores existentes por aqui não possuem (logicamente) suporte para o português. O resultado é que não posso nem: 1) acentuar as palavras; nem 2) ver páginas ou documentos corretamente - porque em vez de letras acentuadas, tudo o que se vê são caracteres gregos.
Mas vamos começar do começo. Voltemos ao dia 06 de Outubro de 2003. Eu tinha uma passagem de ida para a Grécia marcada para o dia 08 à zero hora e meia (00:30). Seria uma quarta, o que significa que eu teria que sair de casa na terça, por volta das 10 da noite, para poder chegar no aeroporto em tempo de pegar o avião. O problema é que quando você pretende ir ao exterior com algum intento que não seja o de turismo (trabalho, estudo, etc.), há que se conseguir um visto, e esse visto se consegue no consulado do país que se deseja ir. No meu caso, o da Grécia, que fica no Rio.
Pois bem, a coisa funciona da seguinte forma: como você tem que viajar e residir legalmente em outro país, existe a velha burocracia. O consulado manda informações suas ao país em que você deseja se estabelecer e espera a resposta do governo desse país, dizendo se você tem autorização para residir lá. Em outras palavras, é o famoso visto, ou, em inglês, visa. Era a única coisa que faltava.
A questão era que já era dia 06, e eu iria viajar dia 07 (na verdade, dia 08, mas eu sairia de casa no dia 07, já que o vôo era meia-noite). Depois de falar com o cônsul da Grécia pelo telefone, descobri que meu visto ainda estava no Rio e que a autorização da Grécia não chegara. E, claro, não podia perder a passagem (é, a companhia, por incrível que pareça, não aceitava mudança de data nem reembolsava o money. Como havia sido comprada através de algum tipo de promoção, não aceitavam mudanças. Em outras palavras, eu iria perder quase 3.000 reais). O resultado é que o cônsul propôs que eu fosse ao Rio no mesmo dia e pegasse o passaporte com o visto que ele daria (isso ilegalmente, porque autorizaria minha entrada sem receber confirmação do governo grego, o que, devido às circunstâncias, era a única saída). E é isso mesmo. Às vésperas da viagem, tive que comprar uma passagem pro Rio. Mais dinheiro, infelizmente, já que a passagem (ida e volta) custou quase 800 mangos. [suspiro]
Mas bem... fui ao Rio dia 06 e, claro, não pude pegar o passaporte no mesmo dia, porque os consulados só estão abertos de 10am às 3pm. E tinha conseguido um vôo que chegava às 6 da tarde. Fiquei lá até o outro dia, fui no Consulado, peguei o passaporte e fui pro aeroporto, pra voltar pra Salvador. Cheguei em SSA, ainda tive que arrumar as malas (já que não tinha contado com um dia a menos para colocar as coisas em ordem) e fui pro aeroporto de novo, dessa vez para ir à Grécia.
Chegando lá, estavam presentes, além da família (tio, tia, pai, mãe, irmã, papagaio, cachorro, etc.), Metal, Hyor e Júnior (guitarra, ex-Pandora, ex-Dark Riders), esperando por mim que, pra variar, chegava meio atrasado - mas também, tinha sido um dia meio cansativo, há que se admitir. Ficamos jogando papo fora até a hora que fui chamado pra embarcar. Aí então o usual: o choro, a euforia na hora de perder o filho pro mundo, aquela coisa toda.
.:A Viagem:.
A viagem durou oito horas até Lisboa. Do meu lado, havia se sentado uma brasileira que estava indo estudar moda na Suíça. Jogando conversa fora, descobri que os 23 graus outonais de Athenas se transformavam em cruéis 5 graus suíços, e também que a frieza do povo neutro contrastava drasticamente com a agitação e a vivacidade dos helênicos.
As oito horas, felizmente, não se demoraram tanto a passar, já que foi um vôo que aconteceu de noite. Todo mundo dormiu e ficou por isso mesmo. Chegando em Lisboa, tive que achar alguma coisa pra prender o cabelo, e vivi mais descobertas:
1) "Xuxa" (aquela, de cabelo) em Portugal se chama "elástico";
2) "Bico de pato" é "mola" (?!)
3) "Piranha" (aquele negócio pra prender cabelo também) pode ser "piranha" ou... "frufru".
Duas horas depois, estava num vôo para Roma, deixando o sotaque lisboeta para trás. Desembarcando na cidade do antigo maior império do planeta, dei-me conta de que era a minha segunda vez naquele país. E, pela segunda vez, me impressionei com a beleza do lugar. Vou dizer, que paisinho bonito! Muito verde, as estradas muito bem conservadas, o povo muito simpático, o ar muito limpo, e a temperatura... ah, que tempo bom! Gostoso de ficar na cama, debaixo das cobertas vendo filme naquele friozinho bom. Frio que não é frio, e sim aqueles 20 graus que te fazem sentir confortável e que não te deixam ficar suando o dia inteiro.
Seguindo as instruções expressas de Hyor, decidi aproveitar o momento e viver a noitada de Roma. Depois de ligar pros contatos na cidade, o resultado foi uma farra passada entre 5 clubes diferentes (todos com direito a entrada de graça), mais de 120 quilômetros por hora em duas Ferraris diferentes, visitas noturnas ao Coliseu e a outros pontos turísticos da cidade (que é impressionantemente linda!) e uma noite não-dormida. De manhãzinha, me sentindo quebrado, me despedia do povo no aeroporto Leonardo DaVinci, com trajeto Roma-Athenas.
Já no aeroporto, esperando para embarcar no avião, podia-se ver pessoas de todas as partes do mundo. Andando um pouquinho, ouvia-se inglês; mais um pouquinho, espanhol; mais um poquinho, italiano; mais um pouquinho, sueco; e assim por diante. O engraçado é que era fácil distinguir os gregos do resto do planeta. São, em geral, pessoas realmente vivazes e quentes - traço que perdura desde a remota antigüidade helênica, há cerca de 3.000 anos. No avião, sentei ao lado de um grego completamente insano (coisa que, na verdade, não é bem a exceção por aqui, mas mais a regra...), e viemos conversando até Athenas. Era um sujeito debochado, que toda vez que via uma aeromoça italiana passar pelo corredor do avião dizia, com uma expressão facial singular, alguma coisa que, em português, seria mais ou menos "essas italianas... essas italianas... que gatas!". Além disso, se dizia muito fã de aviões e que gostaria muito de ser piloto. Isso era fácil de ver, uma vez que passou quase o vôo inteiro agarrando o assento dianteiro com as mãos e balançando o bicho de um lado para o outro como se fosse um manche de avião. O passageiro da frente (que também era grego), eventualmente, levantou-se e xingou uns trinta minutos, até que os ânimos se apaziguaram. O interessante é que o Giannis (esse grego que sentara ao meu lado) volta e meia chamava as aeromoças e falava com elas (em grego, porque não sabia italiano nem inglês) como se fosse a coisa mais normal do mundo. Frustrado, quando recebia um olhar do tipo "?!", devidamente seguido por um "scuza?!", se volvia a mim e dava ordens estritas de traduzir tudo o que falasse, pois suas dúvidas eram de importância mor.
Cerca de 1 hora e meia depois, regadas a muita risada, chegamos a Athenas, onde já havia uma comitiva esperando por mim no aeroporto. Depois de muito grito, muitos abraços e da euforia por rever velhas amizades, deixei as malas na casa do Thymios (meu maior amigo aqui na Grécia, e onde fiquei nas outras duas vezes que vim a Athenas) e saímos pra farra novamente (já que não dava mais tempo de ir à faculdade e dar conta da burocracia).
.:O Começo da Nova Vida:.
Sobre os gregos, há que se ter consciência de certas coisas: é importante que se tenha em mente que adoram sair, gritar, ser espaçosos, agitar... e realmente amam manter o astral altíssimo. Coisa rara é ver tristeza por aqui. São pessoas alegres e chegadas a uma boa gargalhada. Têm muito bom humor e mesmo que tenham acabado de te conhecer, podem fazer perguntas muito pessoais, do tipo "quanto você pesa?" ou "quantos anos você tem?" para as mulheres... e para os homens, "você está com uma aparência estranha. Há quantos meses você não dorme com alguém?". Geralmente é mais por piada, e sempre perguntam mais por curiosidade que por outro motivo. Isso quer dizer que não importa muito a resposta que você dê, eles não te olham diferente nem te consideram estranho. O pecado pra eles é não ter as dúvidas sanadas - por isso, gostam de perguntar, e também que façam perguntas a eles.
É interessante notar como palavras que continham significados tão profundos na filosofia grega antiga são usadas hoje em dia para coisas triviais... me faz pensar como as coisas podem mudar tanto, ainda que achemos que certas coisas durarão pra sempre. Às vezes as coisas continuam existindo... mas passam a portar um significado totalmente diferente daquele de outrora. E assim se vêem as coisas de forma completamente alheia. A luz é sempiterna, mas o prisma pelo qual se a vê é temporário, creio.
Certas coisas, entretanto, continuam tão atuais como o eram em épocas anteriores a Cristo aqui nas terras gregas. Desde a antigüidade o povo helênico tem se mostrado essencialmente musical, seja em sua própria língua, seja em seus trabalhos, como a poesia ou o teatro... ou como a própria música, que sempre tiveram em alta conta. Isso pode-se ver em áreas distintas do conhecimento humano... como por exemplo, os modos da música, chamados, não arbitrariamente, de modos gregos (que possuem nomes de regiões ou povos gregos, como dórico, lídio, frígio, jônico, eólico, etc.).
A música, pois, continua bastante presente na vida do grego. Ouvem muita coisa, e o mercado aqui é vasto. Gostam muito de música grega, mas também ouvem muita coisa "internacional", inclusive música brasileira. Conhecem Tom Jobim, Caetano e Toquinho, e até cantam músicas em português, mesmo. Chegam a manter sessões fixas de karaokê na casa de alguém, rodeados de muita bebida e comida (outra coisa que é inerente ao povo aqui: adoram comer!, e pode-se ver gente andando na rua, comendo sanduíches ou um dos pratos tradicionais gregos, chamado bougatsa [pronunciado bugátsa]). Ontem mesmo (11 de Outubro) fui a uma dessas sessões de karaokê e me diverti a valer. O pessoal canta junto, dança, pula e se diverte. O difícil por aqui é ir dormir cedo, porque sempre há alguma coisa pra se fazer. Meia-noite é quando as coisas ainda estão começando, e as opções são bastante variadas. Há espaço para todos os gostos e as pessoas se entendem bem. Aliás, coisa impressionante por aqui é que não há racismo. Ou discriminação de qualquer tipo, a propósito. Os gregos não têm um movimento separatista, não têm facções terroristas, e a maioria acha os negros interessantes (fisicamente, os gregos em geral têm pele branquinha e o cabelo preto e liso).
A Grécia é um país muito bonito, com uma língua complexa e específica, um povo cativante e com uma capital (Athenas) que não dorme, cheia de opções para quem gosta de sair e curtir a vida.
Mas é isso. Estou meio cansado de escrever, já. Semana que vem minhas aulinhas na faculdade começam... vamos ver no que vai dar. :-)
"Certamente dão nomes muito estranhos a doenças."
- Platão