Saturday, April 15, 2006

Olímpia - A História

No post passado eu falei sobre as origens de Olímpia do ponto de vista da mitologia. Nessa nova entrada, eu vou falar sobre o santuário do ponto de vista histórico. Com relação ao blog em si, só lembrando: palavras ou frases em azul são links, podendo levar a um outro ponto do Vida Grega ou a uma página fora dele; palavras rosadas abrem tabelas explanatórias (é só passar o mouse por cima do termo - se quiser, pode testar aqui). :-)

A História

Na antigüidade, Olímpia pertencia a Pisa, um porto mítico da terra dos épios (a denominação "épios" vem do rei Épio), e a mitologia diz que seu primeiro rei foi Oenômao. Mas o que se sabe é que Olímpia tem sido habitada desde o terceiro milênio antes de Cristo (já faz 5.000 anos, portanto), principalmente através de achados arqueológicos encontrados na Colina de Crono e na Colina de Oenômao - casas construídas com pedras irregulares e ferramentas e potes feitos à mão. É interessante notar que nesse período tão antigo o povo adorava principalmente divindades femininas - Gaia, a mãe-terra, era a maior dessas divindades, apesar de existirem outras como Têmis, Ilítia e mesmo deuses como Cronos. Mais tarde, a adoração a deusas da fertilidade - relacionadas sobretudo a Hera, Deméter e Hipodâmia - tiveram como contrapartida a adoração a deuses dos mistérios da fertilidade, como Zeus, Héracles e Pélops.

O início dos jogos olímpicos é incerto, estando enterrado profundamente na era do mito, de forma que seja difícil dizer quando é que tudo começou. Sabe-se, por exemplo, que entre os séculos XI e VIII a.C. (esse intervalo de tempo é conhecido como Período Geométrico) a parte nordeste do Peloponeso foi invadida por uma tribo grega, os Dórios. Eles vinham do norte sob a liderança de seu rei, Óxilos (pronunciado óksilos), que terminou virando o rei da Élida, a região onde se encontrava Olímpia. Durante esses anos de domínio dos Dórios houve disputas entre os pisatenhos (ou seja, os habitantes de Pisa, cidade que controlava Olímpia) e os novos habitantes da Élida, os invasores. As disputas envolviam principalmente a administração do santuário de Olímpia (porque, veja bem, Olímpia era, acima de tudo, não uma cidade onde qualquer um pudesse morar, mas um santuário dedicado aos deuses onde o povo de Pisa fazia suas oferendas - bem como, mais tarde, o faria toda a Grécia) e sobre a gerência dos jogos olímpicos, que terminaram por ser descontinuados. O início primeiro dos jogos, portanto, não se sabe quando teve lugar, já que muito desse período ainda está imerso em trevas (o Período Geométrico faz parte da era conhecida como Idade das Trevas, assim chamada pelo fato de não haver material suficiente para explicar que tipo de época era aquela).

Foi um sujeito chamado Ífitos, que era um descendente de Óxilos (e, portanto, rei da Élida), que recontinuou os Jogos Olímpicos. Existem várias estatuetas em bronze e em terracota deste período. Isso prova e demonstra especialmente dois fatores: 1) a prosperidade do santuário de Olímpia; e 2) a dominância gradual da adoração a Zeus (já que em eras anteriores, eram as divindades femininas que tinham preponderância), que no século VI a.C. já havia se tornado a deidade principal do santuário. Diz-se, portanto, que foi em 776 a.C. que tiveram lugar os primeiros jogos olímpicos, mas, na verdade, essa data é somente uma convenção, já que não se pode datar o verdadeiro início das Olimpíadas. O ano 776 a.C. foi a primeira vez em que os vencedores dos jogos tiveram seus nomes registrados oficialmente, ou seja: havia material físico que (com)provava que naquele ano, realmente, as Olimpíadas haviam acontecido.

A partir do século VIII a.C. as Olimpíadas ganharam prestígio em todo o Peloponeso, bem como em todo o mundo grego. Foi aí que Ífitos da Élida, Licurgo de Esparta e Clístenes de Pisa entraram em acordo: os jogos deveriam acontecer a cada 5 anos. O acordo é de importância fundamental, sendo denominado "Trégua Sagrada". Era importante porque determinava a cessação de toda e qualquer hostilidade entre os estados que participavam das Olimpíadas durante todo o período dos jogos. O texto do tratado foi imortalizado em escrita, gravado no famoso disco de bronze de Ífitos e guardado no templo de Hera - o Heráion - onde ficou pelo menos até 160 d.C..

Olímpia - Importância Pan-helênica
Os esportes e a competição foram elementos determinantes na supremacia do espírito grego. Isso significa que Olímpia teve um papel de importância fundamental na Grécia Antiga. Por muitas razões, mas sobretudo se destacam dois motivos, que veremos a seguir.

Hoje em dia falamos em Grécia Antiga e, naturalmente, nos referimos ao que seria mais ou menos à área da Grécia atual, com algumas diferenças territoriais. Ao chamarmos essa área de Grécia, logo imaginamos uma unidade cultural, política, social, econômica... ou seja, todos os elementos que fazem de determinada área, de determinado conjunto de cidades ou estados, um país. Na antigüidade grega, entretanto, o que menos havia era unidade. Não existia um país grego. O que existia era um montante de cidades-estados (chamadas póleis) independentes entre si. Tentando simplificar a coisa, seria como se houvesse vários países diferentes num continente que seria a Grécia. Cada cidade-estado (Esparta, Atenas, Tebas etc.) tinha não só suas próprias leis, mas até seu próprio sistema de governo (enquanto Atenas havia adotado a democracia, por exemplo, era a oligarquia o sistema instituído em Esparta). Naturalmente, essas diferenças somente provocavam o distanciamento do ideal de unidade grega. Foi Olímpia, por outro lado, que, através do esporte, conseguiu a façanha de ir contra a corrente e despertar exatamente essa idéia, ainda que por muito tempo enfraquecida, de unidade helênica através do espírito competitivo. Foi um empreendimento inteligente a transformação do ponto fraco no ponto forte - fazendo com que as diferenças das cidades-estados trabalhassem em favor do todo, ao invés de contra. Esse primeiro ponto foi fundamental para que os gregos alcançassem o segundo fator.

As Guerras Persas foram um fenômeno que marcou a Grécia para sempre. A Pérsia, poderosíssimo império do oriente médio, havia entrado em conflito com a Grécia, aquela pequenina área do outro lado do Mar Egeu. Era uma disputa sem precendentes, porque parecia ridiculamente desequilibrada. O Império Persa dominava uma extensão territorial que ia desde a parte européia do helesponto até o rio Indo, fazendo fronteira com a Índia. Se acha que é pouco, dê uma olhada no mapa e compare com a área da Grécia - o contexto é mais ou menos o de um corpo pequenino, como o de uma criança, frente a um minotauro. Além disso, o Império Persa possuía riquezas inomináveis, estradas e rotas mercantis de tamanho surpreendente, ligando os pontos mais distantes do império, além de uma força militar ameaçadora de centenas e centenas de milhares de soldados. Para se ter uma idéia, diz-se que quando o exército Persa atravessou o Helesponto (a passagem que liga a Europa à Ásia Menor), a travessia durou sete dias e sete noites.

Tendo em vista tais características, quando o embate entre a Grécia e a Pérsia, que durou cerca de 52 anos, terminou, pode-se imaginar facilmente qual não foi o sentimento de orgulho e alegria dos gregos, que saíram, por incrível que pareça, vencedores da guerra. Muitos autores declararam que tal vitória havia sido um milagre. Pode ser. Mas, na verdade, há dois fatores a serem considerados: o primeiro é que, enquanto o exército persa lutava simplesmente porque seu rei assim determinava, todo o povo grego lutava por um ideal mais forte que qualquer subserviência - a liberdade, um valor grego que já vinha sendo alimentado há seculos. Para os gregos, que cultivavam o hábito de discutir os assuntos do Estado na ágora e junto ao próprio Conselho e ao próprio Chefe de Estado, onde a opinião de cada cidadão, por mais pobre que fosse, tinha basicamente o mesmo peso que o de qualquer cabeça do governo, seria impensável que fossem submetidos a uma forma de governo onde tivessem que responder a um rei autoritário e a um sistema onde suas opiniões e livre-arbítrios não houvessem qualquer valor.

O segundo fator é que, ao contrário da Pérsia, a Grécia havia se tornado uma nação de gigantes, tanto no campo intelectual como no físico. N. E. Gardner, um estudioso da Grécia Antiga, foi certeiro ao afirmar que "a vitória da Grécia sobre os Persas [...] foi a vitória de um punhado de atletas altamente treinados contra uma horda de bárbaros flácidos." Caso você não tenha percebido ainda, a palavra "atletas" pode ser traçada diretamente ao nome "Olímpia", que, enquanto Delfos, os filósofos e retóricos gregos elevaram o espírito e o intelecto helênico, foi esse santuário que fez com que esse mesmo avançado espírito grego fosse forjado pela supremacia física. Supremacia essa que, claro, foi um elemento indispensável na batalha contra os persas. No final das contas, portanto, Olímpia proporcionou muito mais que simples joguetes. Foi o alavancar de toda uma revolução espiritual e física que contaminou o mundo greco-parlante e que o permitiu lutar - e vencer - uma das mais terríveis ameaças do mundo de então: a destruição de seus valores por uma nação alienígena.

E no próximo post do Vida Grega: o fechamento do capítulo Olímpia - o sítio arqueológico, o museu, e, claro... muita informação sobre a história grega. :-)

A palavra de hoje é:

  • Ελευθερία (pronunciada "eleftheria"), que significa "liberdade".

Disclaimer
As figuras Moeda Filipe, Guerreiro Grego em Armadura, Hércules x Nesso e Hera (terracota) são © 1999 Michael Toubis Publications S.A.. Para republicá-las peça permissão.

Sunday, April 09, 2006

Olímpia - O Mito

Se me perguntassem, ano passado, qual é o meu lugar favorito na Grécia continental, diria que não sabia. Teria que apelar e citar alguma ilha (e aí já não seria mais Grécia continental) ou, mais provavelmente, Meteora, uma área localizada na Tessália, região ao norte da Ática (a Ática é a região onde Atenas está localizada) – qualquer dúvida, veja o mapa.

Hoje em dia, porém, minha opinião é outra. Apesar dos lindos monastérios sacrossantos de Meteora, bem como de sua paisagem fenomenal, serem de tirar o fôlego, um novo contendor se apresentou, sem querer, ano passado, quando fui ao Peloponeso e visitei Olímpia.

Olímpia é uma cidade super pequena (se a memória não me falha, não há mais que 10 ruas – a cidade inteira não deve ter mais que 1 ou 2 quilômetros quadrados de área), mas não se engane: ela é super aconchegante e confortável. Junto a Olímpia encontra-se a Olímpia Antiga (Αρχαία Ολυμπία), área onde foram preservados (tanto quanto foi possível) os achados do sítio arqueológico da Olímpia do período helenístico, clássico, e mesmo anterior (basicamente, a Grécia antes do ano 500/400 a.C.).

Imagine uma cidadezinha com uma rua principal de 200 metros, de onde brotam ruazinhas perpendiculares ainda menores. Todas essas ruas são limpíssimas (apesar da maré de turistas), a vegetação super verde, lojinhas enfileiradas na rua com lâmpadas antigas, jardins em vários cantos, um clima tão acolhedor que você se sente em casa. Assim é Olímpia, a cidade moderna.

Agora imagine, à margem norte da cidade, uma vereda ladeada por altas árvores, todas muito verdes e sadias, desembocando numa pontezinha que leva às portas do sítio arqueológico da Olímpia Antiga. Ali, portal para o mundo mítico, já é possível ver a paisagem de cores suaves e sentir a tranqüilidade e o sossego do local.

O Mito
Na Antigüidade, Olímpia gozava de prestígio na Grécia inteira. Mas os mitos que a rodeiam são muitos. Um desses mitos diz que o fundador dos jogos olímpicos foi Hércules Idæus, que veio de Creta com os irmãos, os Curetes, e organizou uma corrida cujo prêmio seria um ramo selvagem de oliva. Diz-se que daí surgiu o atletismo.

Um outra tradição dominante conta que as competições foram, na verdade, organizadas por Pélops, filho de Tântalo, após vencer Oenômao numa corrida de carros (leia mais sobre isso aqui).

Um outro mito diz que as competições foram estabelecidas por Zeus quando venceu Cronos (Saturno, na mitologia latina) numa competição de (supostamente) luta-livre. Um outro mito apresenta uma variante: as olimpíadas haveriam sido estabelecidas não por Zeus e Cronos, mas por Apolo após vencer: 1) Hermes (Mercúrio) numa corrida ; e 2) Ares (Marte) numa luta de boxe.

Há ainda outras versões. Uma diz que o fundador das competições foi Clímeno de Creta, ele próprio um descendente de Héracles Idæus (sobre quem comentei acima); enquanto outra afirma que foi Hércules, o famoso filho de Alcmene, quem criou os jogos olímpicos.

Alfeu e Aretusa
Um dos grandes mitos existentes em Olímpia é o de Alfeu (ou Alpheus) e Aretusa.

Aretusa, uma das Nereidas, havia retornado da Estinfália, onde caçava, à cidade de Olímpia. Como estava cansada, resolveu refrescar-se nas águas do Alfeu, que era um rio-deus, filho de Oceano e de Tétis. Quando Alfeu viu a nereida desnuda impressionou-se com a incrível beleza da ninfa e terminou se apaixonando perdidamente por ela. Contudo, quando o rio-deus confessou a Aretusa seu amor, a nereida fugiu, querendo evitar os avanços do rio. Alfeu, louco de amores, perseguiu Aretusa até a Élida, onde a ninfa, exausta da corrida, rogou a Ártemis que a salvasse. A deusa ouviu o chamado e levou a ninfa a Siracusa, na Sicília, onde a transformou numa fonte de água pra que ninguém a descobrisse. Só que ninguém contava com a persistência e sagacidade de Alfeu, que cruzou o mar atrás da amada. Ao dirigir-se a Siracusa, ele lutou para não deixar que suas águas se misturassem com a água salgada do mar. Inteligentemente, ele singrou o mar não pela sua superfície, mas por baixo do próprio mar, de forma que encontrou o manancial de Aretusa e pôde finalmente unir suas próprias águas àquelas, límpidas, da nereida.

Hoje em dia as águas do rio Alfeu fluem através das regiões da Arcádia e da Élida, na Grécia, adentrando no próprio Mar Jônico, enquanto Aretusa é o nome duma fonte em Siracusa (La Fonte Aretusa em italiano).

Fique ligado no post da próxima semana pra aprender um pouco mais sobre a famosa Olímpia. :-)

A palavra de hoje é:
  • μύθος (pronunciada "míthos"), e significa "mito".